Dilectus meus mihi et ego illi, qui pascitur inter lilia. — “O meu amado é meu e eu sou dele, que se apascenta entre as açucenas” (Cant. 2, 16).
I. Alma devota, aviva a tua fé e a tua confiança. O mesmo Jesus que, por nosso amor, baixou do céu à terra e quis nascer numa gruta fria, está agora, abrasado no mesmo amor, escondido no Santíssimo Sacramento. Que é o que faz ali? Respiciens per cancellos (1) — “Olha por entre as grades” . Qual amante aflito pelo desejo de ver seu amor correspondido, Jesus de dentro da Hóstia consagrada, como que por entre uma grade estreita, olha-te sem ser visto, espreita os teus pensamentos, os teus afetos, os teus desejos, e convida-te suavemente achegar-te a si. Eia pois, dá contento ao Amante divino e aproxima-te d’Ele.
Lembra-te, porém, do que ordena: Non apparebis in conspectu meo vacuus (2) — “Não aparecerás em minha Presença com as mãos vazias” . Quem se chegar ao altar para me honrar, não se chegue sem me presentar alguma oferta. Na noite do Natal, os pastores que foram visitar o Menino Jesus na gruta de Belém, trouxeram-lhe os seus presentes. É pois mister que tu também Lhe ofereças o teu presente. Que poderás oferecer-lhe? O presente mais precioso, que possas trazer para o Menino Jesus, é um coração penitente e amante: Praebe, fili mi, cor tuum mihi (3) — “Meu Filho, dá-me o teu coração”.
Ó meu Senhor, eu não devia ter ânimo de me chegar a Vós, vendo-me tão manchado de pecados. Mas já que Vós, Jesus meu, me convidais com tamanha benevolência e me chamais com tamanho amor, não quero resistir. Não quero fazer-Vos esta nova afronta que, depois de Vos ter tantas vezes virado as costas, deixasse agora por desconfiança de aceder a vosso doce convite. Mas sabeis que sou pobre de tudo e que não tenho nada que oferecer-Vos. Não tenho senão o meu coração, e este Vô-lo dou. Verdade é que este meu coração durante algum tempo Vos tem ofendido, mas agora está arrependido, e contrito como se acha, eu Vô-lo ofereço. Sim, meu divino Menino, pesa-me de Vos ter dado desgosto. Confesso-o: tenho sido um traidor, um ingrato, um desumano fazendo-Vos sofrer tanto e derramar tantas lágrimas no presépio de Belém; mas as vossas lágrimas são a minha esperança. Sou um pecador e não mereço perdão, mas dirijo-me a Vós, que, sendo Deus, Vos fizestes criança para me perdoar. — Pai Eterno, se eu mereci o inferno, vede as lágrimas desse vosso Filho inocente; são elas que Vos imploram o meu perdão. Vós não negais nada às súplicas de Jesus Cristo. Atendei-O, visto que Vos pede que me perdoeis nestes dias santíssimos, que são dias de alegria, dias de salvação, dias de perdão.
II. Ó meu pequenino Jesus, espero que me perdoareis; mas só o perdão de meus pecados não basta. Neste santo tempo do Natal dispensais às almas graças grandes. Eu também quero uma graça bem grande, e deveis conceder-ma: é a graça de Vos amar. Agora que me chego aos vossos pés, abrasai-me todo em vosso amor e prendei-me a Vós, mas prendei-me de tal modo que eu nunca mais me afaste de Vós. Assim, ó meu Deus amabilíssimo, espero que Vos amarei sempre e que Vós sempre me amareis: assim, ó meu amado Jesus, espero que serei sempre todo vosso e que Vós sempre sereis todo meu: Dilectus meus mihi et ego illi — “O meu amado é para mim e eu sou para ele.” Creio em Vos, ó Bondade infinita; espero em Vós, ó Bondade infinita; amo-Vos, ó Bondade infinita. Amo-Vos, ó meu Deus, feito Menino por meu amor, amo-Vos, e sempre o hei de repetir, amo-Vos, amo-Vos. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas (4).
Mas, não Vos amo bastante; quero amar-Vos muito, e Vós deveis fazer que assim seja. Ofereço-Vos o meu coração, entrego-o todo inteiro, não o quero mais. Mudai-o e guardai-o para sempre. Não mo entregueis mais, pois, se o entregardes em minhas mãos, tenho medo que Vos tornará a trair.
Maria Santíssima, vós sois a Mãe desse grande Filho, sede também minha Mãe; em vossas mãos deposito o meu coração, apresentai-o a Jesus; se Lho apresentardes, Jesus não o rejeitará. Apresentai-o, pois, e rogai que o queira aceitar. Amém.
Referências: (1) Ct 2, 9 (2) Ex 23, 15 (3) Pv 23, 26 (4) 50 dias de indulg. para quem rezar esta jaculatória ou a ensinar aos outros.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 89-91)