Quarta-feira da Terceira Semana depois da Epifania

Quanto é cara a Deus a alma que se lhe entrega toda

Ego dilecto meo, et ad me conversio eius – “Eu sou para o meu amado e Ele para mim se volta” (Ct 7, 10)

Sumário. Meu irmão, cuida em expulsar do teu coração tudo que não seja Deus, ou não conduza ao seu amor e consagra-te a Ele inteiramente e sem reserva. Não será justo por ventura que sejas todo daquele que se fez todo teu? Além disso lembra-te de que Jesus Cristo ama mais uma alma que inteiramente se Lhe consagra do que mil almas tíbias e imperfeitas. São as almas generosas e todas de Deus que estão destinadas a preencher o coro dos Serafins.

I. Deus ama todos aqueles que O amam (1). Muitos, porém, consagram-se a Deus, mas conservam ainda no coração alguma afeição às criaturas, a qual os impede de serem inteiramente de Deus. Ora, como é que Deus se quererá dar todo à alma que juntamente com Ele ama as criaturas? Com razão usará Deus de reserva para com a alma que se mostra reservada para com Ele. Ao contrário, Deus se dá todo às almas que expulsam do coração tudo que não seja Deus ou não conduza ao amor de Deus, e que, consagrando-se a Deus sem reserva, dizem com todas as veras: Deus meus et omnia – meu Deus e meu tudo.

Enquanto Santa Teresa nutria na alma um afeto desordenado, embora não pecaminoso, a certa pessoa, não lhe foi dado ouvir Jesus Cristo dizer-lhe, como depois lhe foi concedido, quando, tendo-se ela desprendido de qualquer afeto terrestre e entregue sem reserva ao amor divino, o Senhor lhe disse: “Já que és toda minha, eu sou todo teu.” Pelo amor que nos tem, o Filho de Deus se deu todo a nós: Dilexit nos et tradidit semetipsum pro nobis (2) – “Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós” . Se pois, diz São João Crisóstomo, se deu a ti sem reserva, é de justiça que também te dês inteiro a Deus e Lhe digas de hoje em diante: Dilectus meus mihi et ego illi (3) — “O meu amado é para mim e eu sou para Ele”.

Revelou Santa Teresa a uma sua religiosa, à qual apareceu depois da morte, que Deus ama com mais amor uma alma, sua esposa, que se Lhe dá toda inteira, do que mil outras tíbias e imperfeitas. Com almas generosas e todas de Deus é que se preenche o coro dos Serafins. Diz o mesmo Senhor que ama tanto uma alma que aspira à perfeição, como se amasse somente a ela: Una est columba mea, perfecta mea (4) . Por isso, o Bem-aventurado Egídio fazia esta exortação: Una uni — A única para o único . Com o que queria dizer que a única alma que nós temos, devemos dá-la, toda e não dividida, àquele que só merece o nosso amor, de quem depende todo o nosso bem e que mais do que ninguém nos ama. É o que repetia também São Bernardo: Sola esto, uto soli te serves . Ó alma, dizia, conserva-te só, não te dividas no afeto às criaturas, a fim de seres toda somente daquele que só merece um amor infinito e a quem somente deves amar.

II. Dilectus meus mihi, et ego illi — “O meu amado é para mim, e eu sou para Ele” . Ó meu Deus, já que Vós Vos destes todo a mim, eu seria demasiadamente ingrato se não me desse todo a Vós. Visto que me quereis todo para Vós, eis-me aqui, meu Senhor; eu me dou todo a Vós. Aceitai-me pela vossa misericórdia, não me desprezeis. Fazei com que o meu coração, que algum tempo amou as criaturas, agora se dê todo a amar a vossa bondade infinita. “Morra de uma vez este eu”, dizia Santa Teresa, “e viva em mim outro que não eu. Viva em mim Deus e me dê vida. Reine Ele, e seja eu escrava; a minha alma já não quer mais outra liberdade.” É muito pequeno o meu coração, ó Senhor meu amabilíssimo e pouco suficiente para Vos amar, porque Vós sois digno de um amor infinito. Muito grande injustiça, pois, Vos faria, se ainda quisesse dividi-lo e amar outra coisa que não a Vós.

Eu Vos amo, meu Deus, sobre todas as coisas, e só a Vós. Renuncio a todas as criaturas e me dou inteiramente a Vós, meu Jesus, meu Salvador, meu Amor, meu tudo. Digo e quero dizer sempre: Quid mihi est in coelo? Et a te quid volui super terram?… Deus cordis mei, et pars mea Deus in aeternum (5) . Nada mais desejo, nesta vida nem na outra, senão possuir o tesouro do vosso amor. Ó Deus de meu coração, não quero que as criaturas ainda ocupem lugar em meu coração; só Vós sereis o meu Senhor, só a Vós quero pertencer para o futuro, só Vós sereis o meu bem, o meu repouso, o meu desejo, todo o meu amor. Com Santo Inácio, só uma coisa Vos peço e de Vós espero: Dai-me o vosso amor e a vossa graça, e serei bastante rico.

— Santíssima Virgem Maria, fazei com que eu seja fiel a Deus e nunca mais revoque a doação de mim mesmo, que fiz ao meu Senhor.

Referências:

(1) Pr 8, 17 (2) Ef 5, 2 (3) Ct 2, 16 (4) Ct 6, 8 (5) Sl 72, 25-26

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 181-183)

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1. Preparação

Na preparação fazem-se três atos:

1º Ato de Fé na presença de Deus, dizendo:

Meu Deus, eu creio que estais aqui presente e Vos adoro com todo o meu afeto

2º Ato de Humildade, por um breve ato de contrição:

Senhor, nesta hora deveria eu estar no inferno por causa dos meus pecados; de todo o coração arrependo de Vos ter ofendido, ó Bondade infinita.

3º Ato de Petição de luzes:

Meu Deus, pelo amor de Jesus e Maria, esclarecei-me nesta meditação, para que tire proveito dela.

Depois:

  • uma Ave Maria à Santíssima Virgem, afim de que nos obtenha esta luz;
  • na mesma intenção um Glória ao Pai a São José, ao Anjo da Guarda e ao nosso Santo Protetor.


Estes atos devem ser feitos com atenção, mas brevemente, depois do que se fará a Meditação.

2. Meditação

Para a Meditação sirvamo-nos sempre de um livro, ao menos no começo, parando nas passagens que mais impressão nos fazem. São Francisco de Sales diz que devemos imitar as abelhas, que se demoram numa flor enquanto acham mel, e voam depois para outra.

Note-se além disto que são três os frutos da meditação: afetos, súplicas e resoluções; nisto é que consiste o proveito da oração mental. Assim, depois de haverdes meditado numa verdade eterna, e Deus ter falado ao vosso coração, é mister que faleis a Deus:

1º Pelos Afetos

Isto é, pelos atos de fé, agradecimento, adoração, louvor, humildade, e sobretudo de amor e de contrição, que é também ato de amor. O amor é como que uma corrente de ouro que une a alma a Deus. Conforme Santo Tomás, todo o ato de amor nos merece mais um grau de glória eterna. Eis aqui exemplos de atos de amor:

Meu Deus, eu Vos amo sobre todas as coisas. Eu Vos amo de todo o meu coração. Fazei-me saber o que é de vosso agrado; quero fazer em tudo a vossa vontade. Regozijo-me por serdes infinitamente feliz.

Para o ato de contrição basta dizer:

Bondade infinita, pesa-me de Vos ter ofendido.

2º Pelas Súplicas

Pedindo a Deus luzes, a humildade ou qualquer outra virtude, uma boa morte, a salvação eterna; mas principalmente o dom do seu santo amor e a santa perseverança, porque, no dizer de São Francisco de Sales, com o amor se alcançam todas as graças.

Se a nossa alma está em grande aridez, basta dizermos:

Meu Deus, socorrei-me. Senhor, tende compaixão de mim. Meu Jesus, misericórdia!

Ainda que nada mais fizéssemos, a oração seria excelente.

3º Pelas Resoluções

Antes de se terminar a oração, cumpre tomar alguma resolução, não geral, como por exemplo evitar toda falta deliberada, de se dar todo a Deus, mas particular, como por exemplo evitar com mais cuidado tal defeito, em que se caia mais vezes, ou praticar melhor tal virtude em que a alma procurará exercer-se mais vezes: como seja, aturar o gênio de tal pessoa, obedecer mais exatamente a tal superior ou a regra, mortificar-se mais frequentemente em tal ponto, etc. Nunca terminemos a nossa oração sem havermos formado uma resolução particular.

S. Alfonso Maria De Liguori Evangelizare Pauperibus Misit Me

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